quarta-feira, 1 de abril de 2009

Novo comentário Bourdieu - Mariana Xavier

Comentário sobre o Seminário BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: O poder simbólico, Difel, Lisboa, 1989








Creio que é imperativo começar meu comentário sobre o seminário de quinta-feira passada descrevendo a sensação de susto que me foi causada pela obrigação de responder perguntas em voz alta sobre um texto recém lido.
Claro que a situação de seminários não só é esperada como é essencial na Pós-Graduação, mas na primeira semana de aulas de um curso ambicionado desde muito, tudo toma um caráter de novidade, de expectativa e, porque não, de excitação. Me parece que essa sensação foi partilhada pelos meus colegas, talvez não no mesmo grau, já que eu me graduei já fazem sete anos, e em outra área do conhecimento. Por ter de elaborar esse texto, me obrigo a refletir não só sobre o texto lido, mas também sobre a própria experiência do seminário, pela qual ainda vamos passar várias outras vezes ao longo de nosso curso.


Acho que a experiência foi bastante válida, considerando que é o primeiro trecho da obra de Bourdieu a que tive acesso. Isso por si só torna a emissão de opiniões bastante difícil, já que não deixa de ser um pouco leviano fazer afirmações como para Bourdieu, ou segundo o autor, considerando que só lemos um capítulo de um livro que sequer está em sua língua original. Claro que é possível que eu esteja sendo rigorosa demais não só comigo mesma, mas também com o processo de construção do conhecimento, que só pode se dar ao tomarmos contato com obras ainda desconhecidas e obrigando-nos a refletir sobre elas.


A dinâmica do seminário proposto foi efetiva, todos haviam feito a leitura e respondido às perguntas propostas. Discutindo as respostas previamente formuladas com as reflexões que foram surgindo à medida que cada um tinha a palavra, fomos capazes de adquirir um melhor entendimento das idéias de Bourdieu expostas no texto em questão.


Eu, por exemplo, havia compreendido nas leituras feitas em casa que o conceito de habitus acadêmico tinha um caráter pejorativo e que era criticado pelo autor. Com as respostas dadas pelos colegas em aula, percebi que havia me equivocado e que Bourdieu estava descrevendo o modus operandi científico sem o qual não pode haver o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas - embora de fato o faça com uma certa ironia que permeia todo o texto.
Como tive que responder uma das perguntas somente na terça-feira passada, tive a oportunidade de fazer mais uma leitura do texto e discutir alguns termos propostos com outras pessoas, o que foi bastante producente para a minha compreensão das idéias do autor.


Além disso, com a discussão em sala de aula pudemos fazer uma breve comparação entre os preceitos dirigidos à área da Sociologia por Bourdieu em seu texto com suas aplicações dentro do campo das Artes Visuais. Também dentro de nosso campo de interesse, creio que seja importante lembrar da colocação do autor de que é preciso construir modelos de pesquisa mais completos, que englobem tanto a ingenuidade inicial quanto a verdade objetiva dos objetos de pesquisa.

Comentário (novo) seminário Bourdieu

Comentário sobre Seminário (Bourdieu)
O presente texto tece comentários relativos ao 1º Seminário desenvolvido na disciplina de Metodologia da Pesquisa em Arte, turma 17 do curso de Mestrado em Artes Visuais da UFRGS.
O Seminário foi orientado por um grupo de perguntas, as quais foram respondidas e posteriormente debatidas durante a aula, relativas ao texto de título Introdução a uma sociologia reflexiva[1] de Pierre Bourdieu.
O referido texto aborda, de forma geral, a postura do pesquisador, que segundo o autor deve ser racional, realista, orientada para uma eficiência dos processos e procedimentos, dos investimentos e recursos que se dispõe. Não se deve perder a razão, ter os “pés no chão”, e clareza do objeto em questão.
É preciso ter consciência da construção do objeto, por isso é tão importante conhecer o processo de construção de uma pesquisa, desde seu estado embrionário que é um tanto confuso e inseguro. Assim que, aprender a intimidade que acontece “no laboratório/oficina”, a partir da experiência do outro, pode-se desmistificar a idéia romântica da pesquisa, aquela de revelação dos resultados. Para a pesquisa em artes visuais, em especial, acredito ser de extrema importância conhecer os métodos e os procedimentos operacionais que o artista/pesquisador emprega em seu atelier, em sua prática de construção do objeto de pesquisa.
Para a construção do objeto de pesquisa, ou melhor, para a prática científica o autor recomenda que se pratique a dúvida radical que consiste em colocar em questão, em suspenso as certezas e os preconceitos. É romper com o senso comum, tanto o “popular” quanto o “científico”, é colocar-se em dúvida. Praticar uma postura que questione os instrumentos, os procedimentos que o artista/pesquisador irá utilizar pra construir o que quer, podendo questionar, por exemplo, no campo da arte, as doxas da estética, os discursos da arte.
Para Bourdieu a prática científica deve promover a conversão do olhar, a revolução do pensamento, ela deve promover a ruptura epistemológica. Romper com conceitos, métodos, modos de pensamento que tenham aparência de pré-construções. Como na arte foi visto com a mudança de paradigmas da arte academicista e da arte moderna. A ruptura só faz sentido a partir de um reconhecimento do campo em questão e de suas relações com as disciplinas vizinhas, pois ela rompe com questões epistemológicas. A ruptura seria como um salto no escuro amarrado por uma rede de relações.
Já que esta ruptura esta ligada a uma rede de relações pode-se dizer que ela provoca mudanças sociais que serão incorporadas lentamente através de uma modificação do pensamento comum e por conseqüência das estruturas de poder que legitimam o conhecimento. Ciente dos seus limites e processos que se formam as relações, o pesquisador percebe que não há neutralidade nos campos de conhecimento.
Aproveitando as palavras do autor, penso que este seminário, e o texto em especial, foram determinantes para podermos colocar em dúvida nossos projetos e objetos de estudo. A partir deste texto comecei a pensar de forma diferente, como nunca havia pensado antes, minha postura diante a área de pesquisa em artes, e minha postura de artista/pesquisadora. Começo a prática da dúvida radical.
[1] Este texto é o segundo capítulo do livro: BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. in: O poder simbólico, Difel, Lisboa, 1989.

FICHA DE LEITURA SEMINÁRIO 26/03 PIERRE BOURDIEU

http://rapidshare.com/files/215497970/Ficha_de_Leitura_BOURDIEU_Introdu__o_a_uma_sociologia_reflexiva.pdf

COMENTÁRIO SEMINÁRIO 26/03 - PIERRE BOURDIEU

Sob a minha perspectiva, a qualidade mais relevante do seminário (referente ao texto “Introdução a uma sociologia reflexiva”, de Pierre Bourdieu) foi perceber sua abordagem como “ensaio de uma pesquisa”, na medida em que a maioria dos aspectos tratados pelo autor foram experimentados na prática durante a aula, como:



- maneiras de se ocupar com uma postura racional para otimizar a própria aula;


- exposição das idéias e diálogo sobre elas, construindo novas dúvidas durante o debate, posto que, conforme Bourdieu, “quanto mais a gente se expõe, mais possibilidades existem de tirar proveito da discussão [...]” (BOURDIEU, 1989, p. 18);


- questionamento dos objetos de pesquisa particulares e do projeto como um todo, deslocando-se da zona de conforto das certezas de um projeto aprovado;


- rigor para com o estudo/pesquisa (apesar das cadeiras serem muito rígidas e meu corpo muito mole);


- apreensão inconsciente durante a aula do “habitus científico”.



Ou seja, os aprendizados obtidos com o texto não devem ser percebidos e praticados somente na pesquisa, tratando-a como ação isolada e hermética: devem ser aplicados nas várias situações apresentadas durante o curso, como as aulas, por exemplo, uma vez que fazem parte do campo no qual estamos inseridos.

Grupo Mestrado 17 discute Bourdieu

Em dois encontros no Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre, o texto ‘Introdução a uma sociologia reflexiva’ [1] de Pierre Bourdieu foi analisado pelo grupo da disciplina ‘Metodologia da Pesquisa em Artes’ da Profª Maria Amélia Bulhões.

Em resumo, trata-se de uma obra em que o autor propõe que pensemos a pesquisa como uma atividade racional, resultante de uma postura reflexiva, orientada para a maximização dos recursos e do tempo disponíveis para o trabalho do pesquisador. Nesse texto, o autor baseia-se em análises de teóricos de diferentes áreas do conhecimento, além de exemplos e de relatos de suas próprias vivências como pesquisador. Conceitos importantes sobre a postura, o campo de idéias, os modos operacionais e as relações entre o pesquisador e o objeto de pesquisa foram os pontos mais discutidos durante o seminário.

A partir de questões provocadas pela Profª Mª Amélia Bulhões, foi possível se estabelecerem as principais diferenças entre o Rigor e a Rigidez nas posturas e metodologias adotadas pelo pesquisador, a importância da prática da dúvida radical e os riscos de se limitar a leituras pré-construídas de um objeto de pesquisa. Quanto à dúvida radical, Fernanda Manéia levantou a questão sobre ‘a importância de se colocar em dúvida as nossas verdades, ou o que acreditávamos serem verdades, o mais rápido possível, para que, no caso de sucumbirem, isto aconteça enquanto ainda há tempo de reconstruí-las.’[2]

Até que ponto essas verdades aparentes não vão sendo construídas ao longo do processo de escolhas de métodos e instrumentos para construção de nossos objetos de pesquisa? Ma Amélia Bulhões enfatizou a importância do pesquisador ter, antes de tudo, critérios bem definidos para o enfrentamento das decisões das diferentes etapas do processo de construção do objeto de pesquisa, para não se fazer escolhas aleatórias, justificadas apenas por soluções técnicas, sejam de ordem teórica ou prática.

Ficou claro que é preciso se ter uma atitude ceticista em relação aos pressupostos pré-concebidos de forma sistemática e responsável, baseada não apenas no raciocínio analítico, como também na intuição racional. Nenhuma decisão deve ser tomada sem um critério bem definido pelo pesquisador. Quando se constrói um objeto, é necessário se reconstruir também as relações de forças sociais que o envolvem, através da união de escolhas teóricas e procedimentos empíricos, que mesmo variando de acordo com a natureza da pesquisa, apontam para soluções de rompimento com os procedimentos metodológicos monoteístas, transformando o que antes eram modelos pré-construídos em objetos científicos reconstruídos sob um ângulo imprevisto. As regras podem até variar de acordo com a pesquisa - assemelhando-se, segundo exemplo dado pelo autor, ao trabalho de um treinador esportivo (não importando qual o esporte) – ‘ (...) que se realiza aos poucos, por sucessivos retoques, correções, emendas orientadas por um conjunto de princípios de ações minúsculas e ao mesmo tempo decisivas. ’ (p.27).

Este me pareceu um dos pontos mais importantes da discussão, visto que na pesquisa em artes o risco do artista-pesquisador se limitar apenas aos relatos de ordem técnica ou processual a partir de uma relação afetiva com seu objeto de estudo, pode empobrecer as contribuições da pesquisa individual para o campo coletivo do conhecimento em artes. A prática da dúvida radical é necessária para pôr em suspenso todos os pressupostos inerentes ao fato do pesquisador ser, ele mesmo, um ser social, portanto, sujeito à estrutura classificatória criada pela ciência produzida no mundo social em que o mesmo está inserido. A importância da prática do que o autor chama de dúvida radical está no fato de se ter uma atitude crítica em que se põe constantemente à prova as operações e os próprios instrumentos de pensamento do sociólogo e da sociologia, do artista e da arte, e assim por diante.


Neste momento em que o grupo de Mestrado 17 se acha envolvido com as questões práticas da elaboração da pesquisa, aquilo a que Bourdieu chama de ruptura epistemológica quer dizer uma ruptura com modos de pensamento, conceitos e métodos que tem a seu favor todas as aparências do senso comum, seja ele vulgar ou científico. Quebrar com este senso comum implica na quebra também de preconceitos e na conversão do pensamento numa efetiva revolução do olhar. A visão crítica é a condição da construção de um verdadeiro objeto científico, o que na visão de Bourdieu se traduz como uma objetivação participante. Tendo clareza de seus interesses e consciência de suas motivações é possível se estabelecer as bases para uma ruptura com os modelos pré-existentes para não se incorrer em nenhuma postura reducionista travestida de ciência.

Concluindo a análise das déias do autor, e talvez contrariando o que alguns de nós achávamos como prática incontornável do ‘habittus cientificus’, Bourdieu aponta para a importância de se pesquisar a teoria corrente de sua época para depois sim partir para os clássicos que fundamentam e referenciam o pensamento atual. As tais mudanças de paradigmas no campo das artes já estão em curso na atualidade e pesquisar, segundo Mª Amélia Bulhões, pressupõe ir além, dito isso, finaliza definindo a pesquisa como um ato de coragem.



Flavya Mutran
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[1] Resumo do Seminário sobre o texto BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva in O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989. (Instituto de Artes/UFRGS, Porto Alegre 26.03.09 e 31.03.09)

[2] Comentário de Fernanda Manéia em resposta a questão ‘Que postura deve ser desenvolvida pelo pesquisador na opinião do autor?’, publicada neste blog em postagem anterior.