quinta-feira, 2 de abril de 2009

Comentário sobre o Seminário – BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: O poder simbólico, Difel, Lisboa, 1989

Este presente comentário abrange dois encontros do 1º Seminário desenvolvido na disciplina de Metodologia da Pesquisa em Arte, turma 17 do curso de Mestrado em Artes Visuais da UFRGS, ocorridos nos dias 26 e 31 de março de 2009 e foi centrado no texto de Pierre Bourdieu, Introdução a uma sociologia reflexiva. (In: O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989). O texto e seus conseqüentes debates tiveram a relevância de, simultaneamente, apresentar a postura e a experiência metodológica do autor, e iniciar a preparação de uma abordagem científica na pesquisa em Artes Visuais do grupo de mestrado, em sua introdução ao curso. O seminário foi norteado por dez questões, apontamentos em relação ao texto colocado pela Profa. Dra. Maria Amélia Bulhões. Em relação ao seminário, apesar de o autor manter como código de conduta algumas normas que podem ser consideradas polêmicas sob algumas perspectivas, as mesmas foram positivamente recebidas durante o seminário em questão. A seguir algumas das questões que vieram à tona nos debates:
A questão do tempo de realização da pesquisa:
O grupo consensualmente assimilou a colocação do autor sobre a necessidade de que o processo de pesquisa e obtenção de dados seja feito através de uma metodologia eficiente, de forma a promover a maximização do rendimento com o objetivo de melhor aproveitamento dos recursos, levando em conta a natural escassez de tempo durante uma pesquisa.
Outro tópico do autor que gerou interesse nos debates foi a questão da exposição do processo de pesquisa, diante de seus pares, como fator importante. Considerando-se que, nas fases germinativas da pesquisa, a mesma contém possibilidades variadas de abordagem e interpretação, o que pode ser um esteio para equívocos, a sua apresentação neste período pode favorecer a retificação dos mesmos, na amostragem pública. Mesmo consciente de que este método traz para o pesquisador uma certa instabilidade e riscos inerentes como instrumentos de ajustes metodológicos, ele contém em si, no entanto, a possibilidade de evitar grandes distorções, o que permite reduzir a incidência de erros na pesquisa, favorecendo seus resultados.
Para o grupo, a questão da autocrítica que um pesquisador deve adotar para si mesmo, em um processo continuamente revisionista em relação ao seu material de estudo, é a postura correta para o desenvolvimento da pesquisa cientifica, uma vez que esta sugere regras de comportamento e atitudes para que o pesquisador assuma um papel de agente racional, e consiga neste processo se apoiar em uma metodologia que impeça suas crenças e perspectivas do mundo de influenciar o desenvolvimento de sua pesquisa de forma tendenciosa. O pesquisador deve ter consciência que suas decisões devem menos reforçar suas crenças pessoais do que ser a continuidade lógica de seu método de observação, exemplarmente isenta dentro de seus preceitos. Mesmo consciente de que este aspecto é, provavelmente, o mais difícil para um pesquisador.
Por ser boa parte da turma 17 de mestrado composta por neófitos na abordagem de pesquisa científica, o ponto sobre o processo de criação de um Modus Cienífico, de fundo bastante prático, foi objeto de grande debate. Considerando que este conduz o pesquisador a uma conduta adequada, baseada na percepção e na visão de seu objeto de estudo, e que esta conduta se dá através da percepção e assimilação do processo de aprendizagem de pesquisa, foi tema de diversos pontos do debate a importância de que a execução deste processo não seja rígida, e sim rigorosa; que possa, circunstancialmente, assimilar novas e inesperadas formas de abordagem, novas perspectivas e analogias com áreas correlatas, mas sempre em um processo de extrema vigilância das condições de utilização da técnica, adequação e condições de seu emprego. Para a visualização do objeto de pesquisa o grupo discutiu, durante o seminário, a importância da percepção das relação do uso das homologias que permitem ao pesquisador encarar sua problemática metodológica sob uma perspectiva diversa, o que possibilita vislumbrar novas abordagens. Mas, de todas as questões abordadas, o que Bourdieu chama de Dúvida Radical foi, certamente, uma das que suscitou mais atenção. Dúvida Radical é a maneira através da qual o pesquisador deve escapar do senso comum e do universo em que ele mesmo está inserido para gestar novas perspectivas para sua abordagem de pesquisa, colocando em dúvida constante a condução da pesquisa por um ser social com possíveis preconceitos de classe, gênero e área. Este tipo de postura do pesquisador autoquestionador é o que permite o surgimento de rupturas epistemológicas, isto é, novos paradigmas de abordagem que possibilitem se relacionar com as questões de maneira inovadora, rompendo com crenças comumente aceitas, a lógica intuitiva e o senso comum de um grupo ou, às vezes, da sociedade como um todo. Obviamente que, dentro de minha pesquisa e de meu conhecimento de metodologia cientíifica em pesquisa , Dúvida Radical é, ao mesmo tempo, tanto uma Arcádia quanto um interessante anseio de estímulo metodológico.
Roteiro para o projeto de pesquisa.
Download aqui
Texto complementar da aula sobre o campo da pesquisa de artes visuais no Brasil
Para fazer download cique aqui
Texto para o seminario do dia 23/04
Faca download aqui

Camila Schenkel – Comentário sobre o seminário Bourdieu

Relações Perigosas

Seguindo a sugestão da colega Flavya resolvi colocar um título, bastante elucidativo... Se necessário massacrem, estou aqui pra isso! ;)
Comentário do Seminário: BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989.

Segundo o autor, o pesquisador deve ser capaz de apreender a pesquisa como uma atividade racional. Isso implica saber construir seu objeto de pesquisa, relacionando teoria e prática, assim como analisar relacionalmente esse objeto, rompendo com o senso-comum e o pré-construído. A discussão desses e outros conceitos propostos por Bourdieu, como o habitus científico, foi um ponto de partida elucidativo a respeito de um determinado tipo de pesquisa que pensa sobre sua constituição e procedimentos, distinguindo uma pesquisa rígida, incapaz de lidar com um pensamento relacional e crítico, de uma rigorosa, que encara com seriedade seu objeto, adotando critérios claros e praticando a dúvida radical, em que o pesquisador não é mero instrumento do que quer pensar.
De forma muito sucinta e até superficial relaciono o pensamento de Bourdieu com o de outros autores com o intuito de ampliar a discussão de seus conceitos e abrir novas possibilidades de entendimento. Não estou levando em consideração, nesse caso, os históricos e linhas/filiações de pensamento de cada autor, a proposta é de uma simples abertura de “fresta” que permita espiarmos em segredo (ainda muito receosa).
Relacionei a questão da inserção do pesquisador em um meio social com a seguinte citação de Pareyson (1993, p.20)¹: “Como operação própria dos artistas a arte não pode resultar senão da ênfase intencional e programada sobre uma atividade que se acha presente em toda a experiência humana. (...)” Ou seja, na arte, se entendida como produto de determinado enfoque de uma experiência social, o artista não é um ser isolado e isento do meio em que circula, seja de seu campo específico ou não.
A proposta de Boudieu de pensar relacionalmente aparece tratada de modo diferente no pensamento de Morin (1991, p.17-18)², como complexidade, mas podem ser relacionadas. Complexidade como um tecido formado por “partes” distintas, heterogêneas, porém associados de forma inseparável. Grosso modo, como uma colcha de retalhos em que cada parte tem sua existência particular e única, mas cujo sentido de “colcha” resulta da interação de suas partes. Assim é a construção de um “pensamento complexo”, que engloba ações, decisões e o acaso, ou ainda um pensamento que leva em consideração os fenômenos.
Embora o texto e as discussões tenham se voltado mais especificamente para a postura desejável a ser desenvolvida pelo pesquisador, penso que essas “frestas” podem possibilitar visadas a serem exploradas na pesquisa. Considero de extrema importância refletir insistentemente sobre o modo, ou os modos de construir nossos objetos, levando em consideração o pré-construído e nossa inserção em determinados meios; exercer a dúvida radical como exercício de humildade também, afinal, como sabemos o que sabemos, e como sabemos que sabemos? Se entendi algo do nosso primeiro seminário, duvidando, questionando, relacionando de modo crítico o que supomos ser conhecimento.
[¹] PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da formatividade. Trad: Ephrain Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
[²] MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
Maiores informações sobre este livro podem ser acessadas nessa resenha (que expõe a precariedade de minha argumentação): http://www.ufrgs.br/tramse/argos/edu/2004/05/morin-edgar.html