quarta-feira, 1 de abril de 2009

Grupo Mestrado 17 discute Bourdieu

Em dois encontros no Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre, o texto ‘Introdução a uma sociologia reflexiva’ [1] de Pierre Bourdieu foi analisado pelo grupo da disciplina ‘Metodologia da Pesquisa em Artes’ da Profª Maria Amélia Bulhões.

Em resumo, trata-se de uma obra em que o autor propõe que pensemos a pesquisa como uma atividade racional, resultante de uma postura reflexiva, orientada para a maximização dos recursos e do tempo disponíveis para o trabalho do pesquisador. Nesse texto, o autor baseia-se em análises de teóricos de diferentes áreas do conhecimento, além de exemplos e de relatos de suas próprias vivências como pesquisador. Conceitos importantes sobre a postura, o campo de idéias, os modos operacionais e as relações entre o pesquisador e o objeto de pesquisa foram os pontos mais discutidos durante o seminário.

A partir de questões provocadas pela Profª Mª Amélia Bulhões, foi possível se estabelecerem as principais diferenças entre o Rigor e a Rigidez nas posturas e metodologias adotadas pelo pesquisador, a importância da prática da dúvida radical e os riscos de se limitar a leituras pré-construídas de um objeto de pesquisa. Quanto à dúvida radical, Fernanda Manéia levantou a questão sobre ‘a importância de se colocar em dúvida as nossas verdades, ou o que acreditávamos serem verdades, o mais rápido possível, para que, no caso de sucumbirem, isto aconteça enquanto ainda há tempo de reconstruí-las.’[2]

Até que ponto essas verdades aparentes não vão sendo construídas ao longo do processo de escolhas de métodos e instrumentos para construção de nossos objetos de pesquisa? Ma Amélia Bulhões enfatizou a importância do pesquisador ter, antes de tudo, critérios bem definidos para o enfrentamento das decisões das diferentes etapas do processo de construção do objeto de pesquisa, para não se fazer escolhas aleatórias, justificadas apenas por soluções técnicas, sejam de ordem teórica ou prática.

Ficou claro que é preciso se ter uma atitude ceticista em relação aos pressupostos pré-concebidos de forma sistemática e responsável, baseada não apenas no raciocínio analítico, como também na intuição racional. Nenhuma decisão deve ser tomada sem um critério bem definido pelo pesquisador. Quando se constrói um objeto, é necessário se reconstruir também as relações de forças sociais que o envolvem, através da união de escolhas teóricas e procedimentos empíricos, que mesmo variando de acordo com a natureza da pesquisa, apontam para soluções de rompimento com os procedimentos metodológicos monoteístas, transformando o que antes eram modelos pré-construídos em objetos científicos reconstruídos sob um ângulo imprevisto. As regras podem até variar de acordo com a pesquisa - assemelhando-se, segundo exemplo dado pelo autor, ao trabalho de um treinador esportivo (não importando qual o esporte) – ‘ (...) que se realiza aos poucos, por sucessivos retoques, correções, emendas orientadas por um conjunto de princípios de ações minúsculas e ao mesmo tempo decisivas. ’ (p.27).

Este me pareceu um dos pontos mais importantes da discussão, visto que na pesquisa em artes o risco do artista-pesquisador se limitar apenas aos relatos de ordem técnica ou processual a partir de uma relação afetiva com seu objeto de estudo, pode empobrecer as contribuições da pesquisa individual para o campo coletivo do conhecimento em artes. A prática da dúvida radical é necessária para pôr em suspenso todos os pressupostos inerentes ao fato do pesquisador ser, ele mesmo, um ser social, portanto, sujeito à estrutura classificatória criada pela ciência produzida no mundo social em que o mesmo está inserido. A importância da prática do que o autor chama de dúvida radical está no fato de se ter uma atitude crítica em que se põe constantemente à prova as operações e os próprios instrumentos de pensamento do sociólogo e da sociologia, do artista e da arte, e assim por diante.


Neste momento em que o grupo de Mestrado 17 se acha envolvido com as questões práticas da elaboração da pesquisa, aquilo a que Bourdieu chama de ruptura epistemológica quer dizer uma ruptura com modos de pensamento, conceitos e métodos que tem a seu favor todas as aparências do senso comum, seja ele vulgar ou científico. Quebrar com este senso comum implica na quebra também de preconceitos e na conversão do pensamento numa efetiva revolução do olhar. A visão crítica é a condição da construção de um verdadeiro objeto científico, o que na visão de Bourdieu se traduz como uma objetivação participante. Tendo clareza de seus interesses e consciência de suas motivações é possível se estabelecer as bases para uma ruptura com os modelos pré-existentes para não se incorrer em nenhuma postura reducionista travestida de ciência.

Concluindo a análise das déias do autor, e talvez contrariando o que alguns de nós achávamos como prática incontornável do ‘habittus cientificus’, Bourdieu aponta para a importância de se pesquisar a teoria corrente de sua época para depois sim partir para os clássicos que fundamentam e referenciam o pensamento atual. As tais mudanças de paradigmas no campo das artes já estão em curso na atualidade e pesquisar, segundo Mª Amélia Bulhões, pressupõe ir além, dito isso, finaliza definindo a pesquisa como um ato de coragem.



Flavya Mutran
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[1] Resumo do Seminário sobre o texto BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva in O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989. (Instituto de Artes/UFRGS, Porto Alegre 26.03.09 e 31.03.09)

[2] Comentário de Fernanda Manéia em resposta a questão ‘Que postura deve ser desenvolvida pelo pesquisador na opinião do autor?’, publicada neste blog em postagem anterior.

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